Por Flávio Gomes:
Bater em Barrichello é um dos esportes nacionais, não é mesmo? Gozado como Rubens começou o ano com expectativas tão grandes, dele e dos torcedores brasileiros, e como em sete corridas foi tudo por água abaixo. Lembro que antes de começar a temporada escrevi algo sobre Barrichello ter se transformado, de repente, na nova paixão do Brasil. Numa enquete que perguntava para quem os internautas iriam torcer numa dividida de curva entre ele e Massa, deu Rubens na cabeça.
Culpa de quem o fim dessa lua-de-mel? da Brawn? De Button? Dele mesmo?
De ninguém em especial. Rubens simplesmente está sendo superado por seu companheiro de equipe, algo que não é tão incomum assim em equipe alguma. São raras as duplas realmente equilibradas na história da categoria, especialmente em times de ponta, como é o caso, hoje, da Brawn GP.
O que contribui para a malhação de Judas quinzenal, creio, é a desastrosa verborragia de Barrichello. Ele dá a cara para bater, isso ninguém nega. Estava escutando a entrevista que concedeu aos jornalistas brasileiros em Istambul, no blog de Felipe Motta, da Jovem Pan, e fiquei quase chocado com algumas declarações. Digo “quase” porque Rubens foi o cara que mais entrevistei na vida. Sei bem como ele é, digamos, desastrado quando fala.
Primeiro, quando fala da relação de marchas usada em Istambul. Estava errada, a sétima. Fazia com que o motor batesse no limitador de giros por oito segundos na retona, o que inviabilizava tentativas de ultrapassagem. Pombas. Relação de marcha é algo que piloto decide junto com seus engenheiros. E que não muda de sábado para domingo. Assim, se estava errada, era algo que ele, piloto, deveria ter percebido nos treinos. São essas coisas que, às vezes, ajudam a desmistificar um pouco aquela história de que Barrichello é um dos maiores acertadores de carros de todos os tempos. Ele também erra. Às vezes, feio.
Depois vem a filosofia barrichelliana. “Azarado não sou. (…) Minha guerra para ser campeão é um incentivo para muita gente no Brasil.” Ai, ai, ai. Será que Rubens acha, mesmo, que as pessoas no Brasil se espelham nele como grande batalhador da humanidade? Quem enxerga nele um pobre lutador incansável quando saem de casa para trabalhar? Menos, menos. Bem menos. Essa história de querer ser um exemplo de tenacidade soa presunçosa e fora da realidade. Digamos que o brasileiro médio tem exemplos melhores para se espelhar quando pensa em alguém que luta, batalha, briga, vence. E eles não estão no meio automobilístico. Isso é um pouco de complexo de Ayrton Senna. A F-1 não tem mais esse caráter messiânico por aqui faz tempo. Aliás, agradeça-se a Massa por isso. Ele nunca fez o papel de redentor da nação, apesar dos esforços globais.
Sobre Button, Rubens disse que ele “parece com o Michael Schumacher” na medida em que “as coisas estão se abrindo na frente dele”. Como se tudo fosse fruto do acaso, ou do destino. “Ele tá atrás do Vettel e de repente o Vettel dá uma errada, não precisa nem ultrapassar.” Numa corrida de carros, tudo é uma sequência de eventos. Se Rubens tivesse largado direito, passaria junto. Mas largou mal, atrapalhou-se com a embreagem — ou a embreagem o atrapalhou —, ficou para trás. Button largou bem, estava colado em Vettel quando o alemão errou. Por isso passou.
Sobre a Brawn. “Condições [iguais] na equipe acho que sim. As coisas são diferentes aqui. Na Ferrari tinha situações que não eram louváveis.” É engraçado, isso. O responsável pelas “situações que não eram louváveis” era quem? Ross Brawn, suponho. Pelo menos participava de tudo. Você trabalharia de novo para alguém que tem atitudes pouco louváveis? Quando, afinal, Rubens dirá o que de tão pouco louvável aconteceu com ele na Ferrari? Nunca, porque o tal livro, como disse na TV, vai ficar para depois que seus filhos pararem de correr, se o fizerem um dia. Para não prejudicar um eventual contrato com a Ferrari… Ai, ai, ai.
Ainda sobre o time, falando do meeting pós-corrida. “Na reunião, não foi um dia bom para eles. A equipe não sabe qual é o problema da frição (fazia tempo que eu não escutava “frição”). (…) Por que acontece sempre com o cara que faz mais, que chega mais cedo e vai embora mais tarde? É o sentimento lá dentro.” Barrichello acha que seus problemas devem fazer com que todos na Brawn tenham um sentimento de culpa ao final de cada GP.
Não é assim que as coisas funcionam. Problemas técnicos em carros de corrida acontecem aos montes, com todos os pilotos. Nada nunca é perfeito. Se você perguntar a Button se tudo deu 100% certo na Turquia, é possível que ele diga que um jogo de pneus era pior que o outro, ou que num determinado momento o carro estava saindo de frente, ou de traseira. Uma corrida, ainda mais de uma hora e meia de duração, traz ao piloto todo tipo de dificuldade. Uma das chaves para se dar bem é saber lidar com elas.
Por fim, a pérola que chega a ser engraçada. “Se a gente olhar hoje meu dia apático, cheio de problemas, vai ter gente acreditando que vou jogar a toalha. Mas eu, não. Vou lutar sempre.”
Dia apático? Ai, ai, ai.