Luiz Negrão (Para Dona Riso):
No segundo dia deste mês, inesperadamente, o meu amigo Walter Bandeira deixou o palco da vida, sem passar pelo devastador, acutilante e prolongado sofrimento imposto pelo câncer, mas atingido em cheio pelas consequências da própria moléstia, daí a surpresa quando de repente a voz silenciou. No grande final, deixou a derradeira lição de dignidade.
A autoridade competente, ou algum representante, ao saber de seu estado de saúde, ofereceu o custeio de tratamento clínico especializado em São Paulo. Polidamente recusou a ajuda, em solidariedade a tantos doentes em situação semelhante no Ofhir Loyola, devendo tais despesas, relativas a seu caso, serem utilizadas no próprio hospital local, ora em situação de caos, penalizado por mãos poderosas e insensíveis (afeitas e subservientes a injunções políticas) retendo verbas necessárias e urgentes para, no mínimo, aquisição de remédios e reparos de equipamentos hospitalares – verbas ora chegando aos borbotões após mudança na administração.
Nesse período de horror no hospital quantas esperanças abreviaram por falta de recursos! Esse era Walter, sempre surpreendente, que aprendi a admirar em mais de 40 anos de amizade. Ele foi umas das pessoas mais inteligentes de meu conhecimento, esbanjando talento nas artes e na cultura de nossa terra. Devo a ele a gentileza da capa de meu livro de crônicas “Canção do Amanhecer” – Ed. Cejup/PA.
Como esquecer sua arte de bem cantar, entremeada de ironia na relação com seu público, sempre cativo, nos palcos de Belém – sua ribalta verdadeira? Guardo comigo momentos fraternos de boas risadas. Dele vem-me lembranças lá dos anos sessenta acerca de um episódio denominado pelo seu bom humor de “quando ganhamos e não levamos”.
A página literária de A Província do Pará era de responsabilidade de Ildefonso Guimarães, com um concurso de contos promovido pela Prefeitura Municipal de Belém, administração Isaac Soares, com prêmios de publicação e coleção de obras literárias. Cada um de nós inscreveu um trabalho. Ele tirou o primeiro lugar e, o cronista, o segundo.
O Ildefonso chamou-nos à redação, conversando sobre a qualidade do trabalho do Walter, na vertente de Clarisse Lispector, “dada à introspecção”, aproveitando para comunicar, um tanto constrangido, terem ficado os prêmios restritos apenas à publicação no jornal, pois como eram os idos de 64 a promotora do concurso, sob nova direção, suspendera a outra parte da premiação. Até hoje resta a dúvida se a Prefeitura de Belém teria ficado mais rica ou mais pobre.
Do repertório daquele chansonier brejeiro, de voz inconfundível, pela interpretação singular, a minha predileta era a composição de Jacques Brel, “Ne me quitte pas” (Não me deixes). Quem o conheceu permanecerá no coração com ele por muito tempo. No necrológico de seu irmão Euclides, encerrei evocando o refrão de uma cantiga comemorativa de mesa de bar: “o Chembra foi um bom companheiro”. O Walter também foi “um bom companheiro e isso ninguém pode negar”. Do sobrenome materno fez o estandarte alegre para enfrentar, com muita simpatia, as intempéries da vida, hoje bandeira tremulando ao vento da saudade.
(Junho/2009 – l.negrao@hotmail.com).
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