De vez em quando é bom falar de política nacional. Melhor ainda quando o ponto de partida é um texto esclarecido, inteligente e certeiro.
Por Guilherme Scalzilli:
Festejei a derrotada candidatura de Fernando Gabeira, mas fiz questão de registrar enormes ressalvas quanto à sua metamorfose em oposicionista indignado. Assisti-lo hoje, cheio de sorrisos sabujos, explicando um “pequeno deslize” antiético, chega a constranger, mas não surpreende.
O mito da moralidade absoluta serve apenas para conveniências eleitorais. Nenhum governante e nenhum parlamentar do país resistiriam a um escrutínio implacável de suas atividades. Mas essa constatação também induz a simplificações enganadoras: as passagens aéreas de Gabeira são obviamente insignificantes se comparadas ao rol de práticas verdadeiramente lesivas cometidas pela maioria inescrupulosa do Congresso, assim como os salários e benefícios pagos a legisladores não resumem sequer uma fração das grandes mamatas ali reinantes.
Exposta à luz de uma investigação muito pobrezinha da imprensa serrista, que na verdade tenta atingir o PMDB, a oposição derreteu. “Todo mundo faz” é a explicação corrente, repetindo o argumento (verdadeiro, embora inaceitável) utilizado por governistas em 2005, sob apupos dos probos paladinos da ética.
O neo-moralista da política nacional é como esse híbrido de Gabeira e ACM Neto, ou a Soninha dos ideais progressistas e subprefeita a serviço do malufismo quercista: cedo ou tarde caem as máscaras da inocência, revelando os pragmáticos falíveis que todos somos. Ah, o tempo, esse remédio implacável…